NOTA TÉCNICA
Aspectos construtivos e de projeto de aterros estaqueados
1. INTRODUÇÃO
Aterros estaqueados são estruturas mistas que combinam um aterro compactado apoiado sobre fundações profundas tipo estaca. Seu conceito básico de funcionamento baseia-se no fenômeno de arqueamento do solo, que resulta no encaminhamento da maior parte das cargas de peso próprio do aterro e sobrecarga operacional diretamente para as estacas da fundação, sem a necessidade de se construir uma laje contínua na base do aterro. São componentes de aterros estaqueados convencionais as estacas verticais, as estacas inclinadas nos bordos dos aterros, os capitéis no topo das estacas e o aterro compactado.
O uso de geogrelhas e geotêxteis de alta resistência à tração e baixa deformação sobre os capitéis possibilita a absorção da parcela das cargas verticais não transmitida diretamente às estacas por arqueamento e garante a estabilidade dos taludes contra o risco de ruptura por empuxos horizontais excessivos. Assim, o reforço geossintético na base do aterro permite aumentar o espaçamento entre estacas e dispensar as estacas inclinadas do bordo do aterro, trazendo uma otimização em relação aos aterros estaqueados convencionais.
As principais vantagens de aterros estaqueados são a garantia da estabilidade global, a ausência de recalques por adensamento primário e secundário, a segurança às estruturas vizinhas quanto a deslocamentos horizontais na camada de solos moles induzidos pela construção do aterro, não ocorrendo o “efeito Tschebotarioff”, e a manutenção praticamente inexistente da obra durante a fase de operação.
Há diversas metodologias para dimensionamento de aterros estaqueados reforçados com geossintéticos, entre elas a norma britânica BS8006-1.
Um aspecto importante no dimensionamento da solução refere-se à definição do geossintético de reforço.
Elementos do aterro estaqueado convencional, acima, e do aterro estaqueado reforçado com geossintéticos na base, abaixo (BS 8006-1)
Sua máxima deformação deve ser limitada, de forma a minimizar recalques diferenciais na superfície do aterro. Quanto menor a altura do aterro, mais crítica será essa condição.
A norma britânica BS8006-1 recomenda que o reforço deva apresentar uma deformação máxima de 6% para garantir que todos os carregamentos sejam transferidos para as estacas. Nos casos de aterros baixos, onde a altura do aterro for menor do que 70% do vão livre entre capitéis, a deformação máxima no reforço deve ser limitada a 3%.
Ainda que metodologias de cálculo sejam bem conhecidas e relativamente simples, os detalhes e cuidados construtivos são fundamentais para o bom desempenho dessas obras na fase operacional.
2. ASPECTOS CONSTRUTIVOS
2.1 ESTACAS
As estacas podem ser pré-moldadas ou moldadas in loco, ter ou não capitéis no topo e, em geral, representam o item de maior custo da obra. Sua distribuição em planta deve considerar que a emenda lateral entre painéis adjacentes de geossintéticos se dê preferencialmente centrada nas estacas. Por exemplo, para uma geogrelha com largura de 5 m, o espaçamento da malha de estacas deve ser preferencial entre 2,0 m e 2,4 m, com sobreposição entre painéis de 1,0 m a 0,2 m, respectivamente.
As estacas deverão ser dimensionadas para suportar a totalidade das cargas verticais, assim como o eventual atrito negativo. O atrito negativo pode ter origem nos recalques devidos à construção da plataforma de trabalho para execução das próprias estacas, entre outras possibilidades. É fundamental que haja rigor geométrico na execução das estacas; os desvios de locação em planta não devem ser superiores a 10 cm.
Caso haja quebra de estacas e seja necessário instalar estacas adjacentes, havendo perda do alinhamento entre elas, é interessante que sejam providos capitéis maiores sobre tais estacas para garantir a manutenção do vão livre projetado em todos os lados do capitel. Neste caso, sugere-se prever a instalação de um painel adicional de geogrelha na área afetada, incluindo, pelo menos, uma linha de estacas além de cada lado da área afetada pela estaca quebrada.
Caso a camada de solos moles se estenda além dos limites do aterro estaqueado, a transição para os trechos não estaqueados pode ser feita através do aumento gradual do espaçamento entre estacas, a redução da profundidade de apoio das estacas ou a execução de uma laje de transição, de forma a minimizar possíveis recalques diferenciais.
2.2 CAPITÉIS
Capitéis com geometria adequada e bem confeccionados são fundamentais para o sucesso da solução. Os capitéis podem ser pré-moldados e apoiados no topo das estacas ou moldados in loco e engastados às estacas. O modo de conexão entre o capitel e a estaca é determinante na definição dos momentos fletores no topo das estacas. Seu dimensionamento estrutural deve ser feito por calculista de concreto armado.
Os capitéis não devem apresentar bordas vivas e sim bordas arredondadas ou chanfradas, de forma a minimizar potenciais danos mecânicos ao reforço geossintético. Sobre os capitéis, recomenda-se pelo menos a colocação de um geotêxtil não tecido com gramatura mínima de 600 g/m2, como proteção contra abrasão da geogrelha, com dimensões superiores às do capitel em 20 cm para cada lado.
2.3 REFORÇO GEOSSINTÉTICO - GEOGRELHAS
Soluções em aterro estaqueado exigem reforço geossintético nas direções transversal e longitudinal, que pode ser configurado com duas camadas de geogrelhas unidirecionais de alta rigidez à tração posicionadas perpendicularmente entre si ou uma camada de reforço bidirecional, com painéis adjacentes devidamente costurados. Os painéis devem estar posicionados seguindo o alinhamento dos eixos de locação das estacas.
A eventual construção de uma plataforma de trabalho para dar suporte aos equipamentos durante a execução do aterro e a própria cravação das estacas poderão gerar pequenos recalques na superfície do terreno.
Desenho esquemático do arranjo geométrico na parte central do aterro estaqueado
Se esses recalques continuarem após a construção do aterro estaqueado, poderá ocorrer um “descolamento” da geogrelha em relação ao terreno de fundação. Essa hipótese de cálculo, recomendada na BS8006-1, deve ser considerada no dimensionamento do reforço, adotando-se que a reação vertical do terreno de fundação na geogrelha é zero, uma vez que a geogrelha não estará apoiada no terreno natural, nos vãos dos capitéis.
Conforme já mencionado, a sobreposição lateral entre painéis adjacentes de geogrelha deverá ocorrer preferencialmente sobre os capitéis. Sobreposições no sentido longitudinal da geogrelha devem ser evitadas. Caso necessárias, seu comprimento pode ser calculado em função da resistência ao cisalhamento da interface solo-geogrelha e da resistência à tração de projeto da geogrelha e deve ter comprimento mínimo de três linhas de estacas.
2.4 ANCORAGEM DAS EXTREMIDADES DAS GEOGRELHAS
As extremidades dos painéis de geogrelha devem estar devidamente ancoradas no sentido de sua maior resistência, utilizando-se valas de ancoragem e/ou envelopamentos, conforme exemplo ao lado.
A execução do aterro na parte interna do aterro estaqueado só deve ser iniciada com todas as extremidades das geogrelhas já ancoradas. Ou seja, o aterro deve ser executado de “fora para dentro”.
2.5 EXECUÇÃO DO ATERRO COMPACTADO
Para a execução dos aterros, deve-se dar preferência a solos mais granulares. Algumas bibliografias internacionais recomendam que se tenha uma plataforma de material granular para transferência de cargas na base do aterro, imediatamente acima da geogrelha, deixando os solos mais finos para as camadas mais altas do aterro. Entretanto, a grande maioria dos aterros estaqueados executados no Brasil não conta com essa plataforma granular e apresenta bom desempenho.
Exemplo de ancoragem da extremidade da geogrelha (BS8006-1)
O solo de cobertura deve ser espalhado e compactado de modo que minimize o risco de formação de dobras e movimentações da geogrelha; o sentido de lançamento do solo deve ser coincidente com o das sobreposições.
O aterro pode ser executado diretamente sobre a geogrelha e a compactação deve ser leve nas primeiras camadas de aterro. As máquinas e equipamentos de construção não devem operar em contato direto com a geogrelha. Um mínimo de 15 cm de solo deve ser espalhado sobre a geogrelha para permitir o tráfego de máquinas. Além disso, deve-se evitar grandes velocidades e paradas repentinas para minimizar as movimentações da geogrelha durante a construção do aterro.
3. ASPECTOS DE PROJETO
O projeto deve levar em consideração as solicitações durante o processo construtivo e na fase operacional da obra, explicitando eventuais restrições de utilização durante a execução do aterro estaqueado.
O projeto deve apresentar o detalhamento de todos os elementos que compõe o sistema, incluindo a paginação e a ancoragem do reforço geossintético, e a sequência executiva da obra.
A critério do projetista, poderá ser definida instrumentação específica para acompanhamento do desempenho da estrutura.
REFERÊNCIAS
- BS8006-1 (2010). Code of practice for strengthened/reinforced soils and other fills. BSi.
- CUR 226. (2016). S.J.M. van Eekelen e M.H.A. Brugman, Eds. Design Guideline Basal Reinforced Piled Embankments. SBRCURnet & CRC Press.
- Design and performance of embankments on very soft soils (2013). M.S. Almeida e M.E.S. Marques. CRC Press.
- EBGEO (2010). Recommendations for design and analysis of earth structures using geosynthetic reinforcements. (DGGT).
- Manual Brasileiro de Geossintéticos - 2a edição (2015). J. C. Vertematti (coord.).