#NOTA TÉCNICA

 

Como considerar geossintéticos de reforço do solo no software SLIDE da RocScience

Slide é um programa desenvolvido pela RocScience para a realização de análise de estabilidade de taludes por equilíbrio limite 2D, de modo a avaliar o fator de segurança de superfícies de falha circulares ou não circulares em taludes. É possível, dentro desta plataforma, inserir reforços geossintéticos para compor estruturas de solo reforçado e dimensionar o reforço necessário para garantir a estabilidade da estrutura.

 

É importante observar que o dimensionamento destas estruturas de solo reforçado deve atender a duas condições: Estado Limite Último (ULS) e o Estado Limite de Utilização (SLS). O primeiro, ULS, está associado ao colapso ou outras formas semelhantes de falha, que é alcançado quando as forças solicitantes igualam ou excedem as forças resistentes. O último, SLS, é alcançado se as magnitudes de deformação que ocorrem dentro da vida de projeto excederem os limites prescritos ou se a capacidade de serviço da estrutura for reduzida.

 

A análise de estabilidade por equilíbrio limite, possível de ser realizada no Slide, é um dos métodos de análise mais simples e um dos mais utilizados para avaliar as condições ULS de estruturas geotécnicas, uma vez que as deformações não são consideradas. Assim, para avaliar estudos de SLS, outras metodologias são necessárias.

 

No software Slide, as análises de estabilidade consideram a contribuição do reforço geossintético aplicando a resistência à tração de projeto e os parâmetros de interação entre solo e reforço. Em cada potencial superfície de ruptura, a resistência à tração no reforço é adotada como o valor mínimo entre a resistência à tração de projeto, inserida na janela de propriedades do reforço, e a resistência ao arrancamento mobilizada ao longo do seu comprimento na parte passiva ou ativa do plano de deslizamento, calculada a partir dos parâmetros de interação solo-reforço.

 

O reforço geossintético pode ser inserido na janela “define support properties”, campo “support type” e opção “geotextile”.

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Figura 1: Janela “Define Support Properties” do software Slide

RESISTÊNCIA À TRAÇÃO DO REFORÇO GEOSSINTÉTICO

 

A resistência à tração de projeto deve se basear na resistência disponível ao final do tempo de projeto (TD). Segundo a norma ABNT NBR 16920-1 Muros e taludes em solos reforçados – Parte 1: solos reforçados em aterro, a resistência à tração disponível (TD) é determinada tomando como base a resistência à tração característica do reforço (Tchar). Esta é tipicamente a resistência à tração com um nível de confiança mínimo de 95%, informada pelo fabricante e assegurada pelo fornecedor.

 

Muitas vezes é referenciada como resistência à tração nominal. A resistência à tração disponível TD é obtida a partir da divisão de Tchar pelo produto dos fatores de redução (RF) e pelo fator de incertezas (fs). Os fatores de redução incluem os efeitos de fluência, de danos mecânicos durante a instalação, de degradação química e biológica em contato com o meio ambiente. O projetista pode, a seu critério, incorporar ao cálculo outros fatores de redução, caso sejam previstas situações específicas adicionais que possam afetar a resistência do reforço, como efeitos de exposição a intempéries (radiação UV), de cargas cíclicas, de emendas e outros.

Adicionalmente aos fatores de redução, o fator de incertezas (fs) considera a variação estatística dos fatores de redução calculados, resultando na seguinte equação:

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Onde:


Tchar: resistência à tração característica.
RFCR: fator de redução por efeito da fluência.
RFID: fator de redução por danos mecânicos de instalação.
RFCH: fator de redução por devido à degradação química e biológica que pode acontecer, caso o material fique em contato com meios agressivos.
fs: fator de segurança por extrapolação de dados e incertezas.

 

Podemos entender esse valor como sendo “estrutural”, ou seja, é o valor que, quando atingido, leva o reforço à ruptura. Normalmente, as fichas técnicas fornecidas pelos fabricantes apresentam apenas os valores típicos da resistência à tração característica (Tchar) do reforço. No entanto, os fatores de redução também devem ser informados para fins de projeto, pois são específicos do material para cada produto e fabricante. Esses fatores de redução devem ser certificados por uma certificadora independente, caso contrário, devem ser adotados valores gerais conservadores propostos pela bibliografia. As geogrelhas da HUESKER possuem certificação da British Board of Agrement (BBA).

 

RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DA INTERFACE SOLO-REFORÇO E RESISTÊNCIA AO ARRANCAMENTO

 

O reforço deve atingir uma aderência adequada com o solo adjacente para garantir a mobilização da carga de tração. Esta ligação deve ser alcançada ao longo do reforço dentro e além da superfície de deslizamento potencial nas análises de estabilidade e apresenta a seguinte formulação:

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Onde:


TBOND w: força de tração do reforço mobilizada nesse comprimento de interface dentro da superfície de deslizamento LR w.
TBOND b: força de tração do reforço mobilizada nesse comprimento de interface além da superfície de deslizamento LR b.
σ′v: tensão efetiva normal no nível do reforço.
α′ϕ: coeficiente de interação entre o ângulo de atrito do solo e o ângulo de atrito da interface solo-reforço.
α′c: coeficiente de interação entre a coesão do solo e a adesão da interface solo-reforço.
ϕ′s: ângulo de atrito efetivo do solo.
c′s: coesão efetiva do solo.

 

Um dos modos limitantes de interação entre o solo e o reforço é a ruptura por arrancamento, em que a camada de reforço é arrancada do solo após ter mobilizado a máxima tensão de aderência disponível. Assim, o software também determina o comprimento de reforço necessário para manter a condição de equilíbrio.

 

A resistência ao arrancamento ou resistência ao deslizamento do reforço em contato com o aterro deve ser avaliada com base no teste de cisalhamento direto. Os valores dos coeficientes de interação de atrito e aderência variam de acordo com o tipo de reforço (geotêxtil, geogrelha, etc.) e devem ser informados pelo fabricante.

 

FORÇA DE TRAÇÃO MOBILIZADA

 

Nas Figuras 2 e 3, o diagrama representado por hachuras em cada reforço indica a força máxima que pode ser mobilizada em cada ponto de reforço levando em consideração sua resistência à tração e sua ancoragem dentro ou fora da superfície de deslizamento (passiva e ativa). Além disso, a Figura 3 mostra a magnitude da força efetivamente mobilizada nos geossintéticos para a superfície de ruptura considerada. Nos pontos onde a superfície de deslizamento cruza os reforços 1 e 2, o comprimento de ancoragem no geossintético não é suficiente para mobilizar uma força maior que sua resistência à tração de projeto. No entanto, no reforço 3, a resistência ao arrancamento é superior à resistência à tração de projeto TD, sendo esta última considerada no cálculo da estabilidade. Este exemplo mostra que o Slide, ao realizar a busca por superfícies críticas, já considera em seu cálculo os mecanismos de arrancamento e adota no cálculo do fator de segurança o menor valor entre as forças mobilizadas ao longo do seu comprimento (caso de ruptura por falta de comprimento adequado) e a resistência à tração de projeto (caso de ruptura “estrutural”).

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Figura 2: Diagrama de forças mobilizadas ao longo do comprimento dos reforços

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Figura 3: Forças mobilizadas nos reforços adotadas no cálculo do fator de segurança

Exemplo: aterro sobre solo mole reforçado com geogrelha na base:
A figura a seguir mostra a seção de um aterro sobre solos moles reforçado com uma geogrelha na base:

 

O reforço do aterro se dará com uma geogrelha Fortrac J16000 MDT fabricada pela HUESKER Synthetic GmbH. Essa geogrelha de PVA apresenta alta tenacidade e baixa deformação de curto e de longo prazos. As características dessa geogrelha de acordo com o certificado da BBA de fevereiro/2022 são:

 

• Resistência à tração característica (ou nominal) na direção principal de tracionamento: Tchar = 800 kN/m

• Máxima deformação na resistência característica: ε = 5% ± 1,5%

• Resistência à tração mobilizada para 2% de deformação: T2% = 240 kN/m

• Resistência à tração mobilizada para 3% de deformação: T3% = 360 kN/m

 

Este exemplo apresenta uma análise muito simples apenas para ilustrar como usar os parâmetros do reforço geossintético no Slide. A hipótese principal é que a geogrelha atingirá sua resistência máxima à tração na condição ULS. O estudo adicional e necessário de compatibilidade de deformações entre o subsolo e a geogrelha não é considerado nesse tipo de análise. A análise SLS, limitando a deformação máxima de 5% para aplicações de curto prazo e de 5% a 10% para condições de longo prazo (ou 3% se a fundação for um solo sensível), não é atendida pela análise de equilíbrio limite e deve ser desenvolvida utilizando outros softwares. Para a análise ULS, a resistência à tração na ruptura por creep, TCR , apropriada ao tempo de projeto (por exemplo, 10 anos), pode ser obtida no gráfico a seguir:

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Os fatores de redução adicionais necessários para calcular a resistência à tração de projeto (TD(ULS)) são:

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A resistência à tração de projeto (TD(ULS)) para tempo de projeto de 10 anos é:

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Os parâmetros da interface solo-geogrelha para obtenção da resistência ao arrancamento podem ser calculados considerando a′ϕ e a′c igual a 0,8, de acordo com o fabricante do geossintético. Este valor é conservador para solos mais finos e foi obtido em testes laboratoriais específicos para esta geogrelha. Assim, os parâmetros de resistência ao arrancamento na interface solo-geogrelha são:

 

• Adesão = 0,8 x c′FILL = 0,8 x 10 kPa = 8 kPa

• Ângulo de atrito = atan (0,8 x tan ϕ′FILL) = atan (0,8 x tan 28°) = 23°

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Figura 6: Entrada dos parâmetros da geogrelha Fortrac J16000 MDT

Após a aplicação do geossintético ao modelo com suas propriedades, deve-se proceder de forma convencional com a análise de estabilidade. A Figura 7 mostra a superfície crítica na qual a força de tração mobilizada sobre o geossintético foi igual a 548 kN/m, igual à resistência à tração de projeto. No entanto, outras superfícies não críticas podem considerar uma força de tração mobilizada menor, conforme mostrado na Figura 8. Para essa superfície de deslizamento específica, a força de tração mobilizada foi de 283 kN/m, que é a força de tração máxima que poderia ser mobilizada pelo lado esquerdo do geossintético considerando a tensão efetiva vertical no reforço e sua resistência de ancoragem.

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Figura 7: Resistência à tração mobilizada ao longo da geogrelha para superfície crítica.

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Figura 8: Resistência à tração mobilizada ao longo da geogrelha para uma superfície não crítica

Por meio do procedimento descrito, é possível aprender detalhadamente como considerar as propriedades mecânicas do reforço geossintético para avaliar não apenas sua resistência à tração, mas também sua resistência ao arrancamento. Além disso, pode-se entender como interpretar os resultados referentes ao uso do geossintético em análises de estabilidade geral.

 

Embora este método não possa avaliar outros mecanismos, como a compatibilidade de deformação entre o solo e o reforço, para fins de equilíbrio ULS, o Slide fornece bons resultados desde que as propriedades do reforço sejam inseridas de acordo com as informações do fabricante e com as condições do projeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABNT NBR 16920-1 Muros e taludes em solos reforçados – Parte 1: solos reforçados em aterro

Agrément Certificate 05/4266 – Product sheet 2 – BBA Technical Approvals for Constuction FEV/2022

BS 8006-1: 2010 Code of practice for strengthened/reinforced soils and other fills

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