#PESQUISA
Pesquisas acadêmicas na área de Engenharia Costeira e Portuária
Professor comenta os principais estudos desenvolvidos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Desde a sua entrada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2008, o professor doutor Tiago Zenker Gireli atua na área de engenharia costeira e portuária. Coordenador de Pós-graduação e Pesquisa, e do Programa de Pós- Graduação em Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, ao lado da professora doutora Patrícia Dalsoglio Garcia, Zenker acompanha o desenvolvimento de estudos de cerca de dez pós-graduandos, entre mestrandos e doutorandos, e seis alunos de graduação.
Como é a atuação desse grupo de pesquisa?
Tiago Zenker - Nosso laboratório hoje está capacitado a realizar modelagens hidrodinâmicas computacionais em diferentes softwares como o pacote MIKE, o Delft e o FLOW 3D. Além disso, temos três projetos de pesquisa em andamento, sendo um deles financiado pela Prefeitura Municipal de Santos, que custeou a construção do projeto-piloto de Proteção da Ponta da Praia em Santos, um modelo físico em escala real, constituído de geotubos preenchidos com a própria areia da praia e dispostos de maneira a permanecerem submersos e, ainda assim, promoverem uma redução da energia das ondas em eventos extremos e um armadilhamento de areia, de forma e reverter o processo erosivo existente no local.
Em quais linhas de estudos o grupo tem se concentrado?
Tiago Zenker - Nosso grupo de pesquisa tem concentrado seus estudos na identificação e análise dos impactos das mudanças climáticas e da ação antrópica em regiões costeiras, e nas operações portuárias. Para tanto, é empregada a modelagem hidrodinâmica computacional a partir da simulação de cenários nos quais as principais forçantes, como ondas, marés astronômicas e meteorológicas, dentre outras, são representadas a partir de projeções esperadas para as mesmas, em decorrência das mudanças climáticas.
Identificadas as regiões costeiras de maior vulnerabilidade e quais os impactos esperados para elas nas próximas décadas, o grupo de pesquisa trabalha na busca de ações que levem a mitigação dos impactos previstos, evitando a perda de infraestrutura das cidades litorâneas e a necessidade de reassentamento de suas populações.
Nessa busca por soluções, são priorizadas intervenções não estruturais em locais onde essa ainda é uma possibilidade. Nos demais casos, são avaliadas instalações de obras costeiras que atendam a premissas econômicas e socioambientais, que gerem o mínimo impacto em áreas adjacentes, que sejam resilientes e adaptáveis às mudanças climáticas. Essa abordagem traduz um conceito moderno de engenharia costeira no qual, ao invés de adotar obras com o intuito de enfrentar a natureza, buscam-se soluções que induzam os próprios fenômenos naturais a canalizarem sua energia para buscar uma nova situação de equilíbrio que atenda às premissas de projeto, o que no Brasil é conhecido como “soluções baseadas na natureza” e, no exterior, como “engineering with nature” ou, para a área costeira, “blue engineering”.
O levantamento de dados em campo ainda é limitado no Brasil. Fale sobre as suas experiências?
Tiago Zenker - De fato, esse é o principal entrave para o desenvolvimento das pesquisas que meu grupo faz, sendo esse o motivo pelo qual concentramos nossas análises na região de Santos, no litoral sul do estado de São Paulo. Essa região, apesar de também ter uma certa carência de série histórica de dados importantes, pode ser considerada um “oásis” de dados em meio ao deserto de informações que cobre quase a totalidade da linha de costa brasileira. Essa disponibilidade de dados se deve, em grande medida, ao fato do Porto de Santos estar instalado no complexo estuarino, cuja principal embocadura se conecta à Baía de Santos.
Cabe ainda destacar que, mesmo sendo Santos uma região privilegiada em relação à existência de histórico de dados, desde 2014 nossa equipe tem se empenhado na realização de campanhas periódicas de perfil praial, dados batimétricos e outras grandezas hidrodinâmicas que deem suporte às nossas pesquisas, uma vez que os levantamentos de outras entidades ou não estão disponíveis, ou não cobrem com a densidade necessária as regiões estudadas. Para se ter uma ideia, a medição de ondas na entrada da Baía de Santos conta apenas com um sensor que é capaz apenas de medir os dados de altura e período das ondas, mas é incapaz de apontar o rumo de onde as ondas estão vindo, o que faz toda a diferença em relação a como essas ondas se acercarão das praias e qual impacto causarão em cada trecho da orla.
Por fim, temos investido tempo na busca por soluções de baixo custo para a realização de medições costeiras, como a extração de dados a partir de filmagens e até do uso de acelerômetros de celular, mas são iniciativas expeditas e muito aquém do que seria o desejável em termos de coleta de dados e da formação de uma rede nacional de dados costeiros.
A indústria portuária brasileira é uma das áreas que prometem maior ascensão profissional nos próximos anos. Como os profissionais e as empresas devem se preparar para esse mercado?
Tiago Zenker - Esta é uma pergunta bastante ampla e cuja resposta completa vai além do que um Professor e Pesquisador da academia como eu consegue vislumbrar. Ainda assim, posso dizer que a logística portuária brasileira ainda é muito falha, não seguimos, por exemplo, um modelo baseado em hub ports que é a realidade no restante do mundo. Continuamos pulverizando recursos na tentativa de adaptar todos os principais terminais brasileiros às novas classes de navios de longo curso, ao invés de concentrar recursos em um ou dois portos, os hub ports, e lançar mão da cabotagem para distribuir essa carga para os demais terminais, que passariam a ser feeder ports. Claramente nos deparamos com gargalos importantes e temos perdido know how nas últimas décadas. Basta ver o caso da dragagem portuária, tínhamos empresas nacionais com equipamentos excelentes e hoje é um mercado totalmente dominado por empresas internacionais. Se por um lado esta constatação parece assustadora, por outro pode ser encarada como uma grande oportunidade de desenvolvimento, o que claramente deveria motivar os profissionais das mais diversas áreas relacionadas a operação portuária, a se especializar em questões relacionadas ao setor. Como docente, minha sugestão é a de que os profi ssionais procurem cursos de pós-graduação stricto sensu, como o que temos na Engenharia Civil da Unicamp ou mesmo os de outras universidades de renome na área, como por exemplo a USP, a UFRJ e a UFRGS. Alternativamente, os profissionais podem procurar cursos de especialização lato sensu no Brasil ou no exterior.
Como os geossintéticos podem colaborar para os avanços dessa área?
Tiago Zenker - Os geossintéticos têm se mostrado aliados muito importantes nas propostas de soluções costeiras baseadas na natureza, pois são materiais que atendem às premissas citadas anteriormente, ou seja, inerte, de alta resistência, com boa durabilidade e custo relativamente baixo. Geossintéticos como os geotubos empregados no projetopiloto de Santos permitem adicionalmente a criação de obras modulares e que dispensam a necessidade de emprego de equipamentos de grande porte no seu transporte e instalação. Por fim, esses elementos permitem que a obra de proteção tenha uma geometria adaptável, podendo, por exemplo, ser facilmente alteada ou rebaixada e, inclusive, permitindo uma fácil desmobilização na eventualidade da obra se mostrar ineficiente ou vier a causar impactos significativos em regiões adjacentes, em especial quando preenchidas com areia da própria praia. Assim, pensando nas obras costeiras e portuárias do futuro, tenho a convicção que os geossintéticos tem um potencial enorme de aplicação em substituição às tradicionais obras rígidas de enrocamento de pedras ou de concreto.